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    A Farsa dos Coaching e Mentores

    Ser coach está na moda. Há coaching para esportes, nutrição, carreira, finanças e até — pasmem — questões psicológicas. Neste texto vamos entender qual o verdadeiro problema (e perigo!) dos coaching, mentores, gurus ou palestrantes.

    Em primeiro lugar, qualquer coisa pode ser interessante à primeira vista. O coaching também. Se você vê o Tonny Robbins, por exemplo, por mais forçado que pareça o seu espetáculo de transformação pessoal, é possível ainda extrair dele uma ou duas coisas bacanas. Mas infelizmente não muito mais que isso.

    O real problema por trás do coaching não está em sua formação extra-acadêmica, nos seus termos em inglês fora de contexto ou no seu conteúdo que se aplica redutivamente a uma classe média. O problema do coach está em sua precária visão de mundo.

    Uma Weltanschauung neoliberal

    O coaching não dispõe de uma rica psicologia. Ele não é uma psicologia junguiana que flerta com um mundo espiritual, nem uma psicanálise oriunda da alta filosofia alemã. Não chega a ser nem uma psicologia cognitiva com seu cientificismo biológico contemporâneo.

    coach é aquilo que a própria palavra diz. Em inglês, é o técnico da equipe ou o treinador do atleta que precisa vencer uma partida. E afinal, é isso que todo coach nos enjoa de repetir de todas as maneiras possíveis: superação, vitória, desenvolvimento, expandir o seu potencial etc.

    Weltanschauung do coaching — esta belíssima palavra que os alemães criariam para cosmovisão — é de que a vida é feita de superação. Todos nós temos um sentimento interior de incapacidade, uma autosabotagem por conta de nossas crenças limitantes, e que precisamos vencer nossas barreiras pessoais para alcançar nosso verdadeiro potencial, liberando o campeão que realmente somos.

    Isso funciona bem nos esportes. E pode ser facilmente adaptado ao mundo corporativo em que os negócios são vistos como o campo de batalha moderno.

    Mas no mundo neoliberal, em que nos dizem que devemos ser os empreendedores de nós mesmos, em que nossas escolhas são medidas como investimentos, e que nossa vida precisa ser gerida como uma empresa que não pode deixar nunca de crescer, o coaching é a cereja do bolo.

    Neste universo, a vida se esvazia de qualquer outra possibilidade de sentido. Tudo se torna uma oportunidade de crescimento, superação, despertar de potencial, ou qualquer coisa mais piega.

    E numa sociedade tão preocupada com esses termos, não é de se estranhar como as pessoas tanto se queixam de culpa em autorecriminação, ansiedade diante dos seus desejos, depressão por se verem distantes de seus ideais.

    Quanto a isso, o coaching nunca vai resolver a vida de ninguém. Porque ele não é a solução. Ele é parte do problema.

    Qual é a vida dos vencedores?

    O coaching faz parte do discurso de que a vida é uma batalha e que precisamos sair vencedores dela. Por trás da ideia de que não devemos nos conformar com as limitações e que podemos superá-las, o coaching promove um sentimento de inadequação.

    Isto é, nunca produzimos o suciente com nosso trabalho, o dinheiro que eu ganho não basta para aquilo que eu quero comprar, meu corpo necessita de dietas e exercícios especiais para ser bonito como o pessoal do Instagram, e por aí vai.

    Não é curioso que as promessas do coaching geralmente estão em torno de questões de consumo, produtividade e ostentação?

    Ao invés de questionar a origem desses estranhos ideais — e talvez pensar que não é a forma mais saudável ou sábia de viver — o coaching e o mercado neoliberal se alimentam do sentimento de insatisfação com nossas vidas, relações, economias, corpos etc. Um mercado que lucra com o inadequado, o insuficiente.

    Diria o discurso raso de um coach que o problema não é a sociedade ou esse modelo de pensamento… é você que não está trabalhando bem o seu potencial.

    Não há nenhuma inconformidade romântica aí, digna de um Nietzsche, questionando a moral e a sociedade. O discurso do coaching é um imperativo para que nos adequemos a uma sociedade que padece e por conta disso mesmo assiste o crescimento dos transtornos mentais.

    Diante disso, a resposta é: Supere seus limites. Seja uma engrenagem melhor — produzindo e consumindo mais — nesse sistema que também lhe faz sofrer. Quem sabe ganhando mais ou postando no Instagram suas vitórias você se sentirá feliz. Afinal, aparentemente a culpa é sua por não conseguir.

    Encontrar suas vitórias

    Não estou dizendo que não hajam dificuldades na vida e que cai bem superá-las. São coisas que desejamos e não fazemos apenas por medo, doenças que queremos nos recuperar, ou inclusive sair de uma situação socialmente/economicamente desfavorável.

    Há coisas realmente complicadas na vida e que faz sentido nos sentirmos orgulhosos em superá-las. Por exemplo, eu acredito que qualquer um que supere um câncer é um verdadeiro vencedor.

    Há muitas formas de “vencer na vida”. Mas ainda assim não podemos medir a vida inteira com apenas esta régua.

    Na vida há lugar tanto para a vitória quanto para a derrota. Muitas vezes iremos perder: para uma doença, uma situação fora do nosso controle ou qualquer tipo limite. Fato é que você perderá algumas vezes na vida. E tudo bem!

    Não há nada errado em descobrir alguns limites para algumas coisas. Há um certo tipo mimado em pensar que tudo é possível, que jamais perderemos ou que existirem limitações nos fazem pior.

    Aceitarmos as derrotas é importante para descobrir também nossas vitórias. E a obsessão com tudo “superar” é ela mesmo uma patologia do derrotado.

    O que não lhe podem vender

    Vivemos como se sempre faltasse algo para sermos realmente felizes. E é verdade, essa falta não vai embora. Se conquistamos algo, vamos querer um pouquinho mais.

    Mas ao invés de transformar isso numa eterna batalha de limites e possibilidades, prefiro pensar que há uma ética mais simples para viver bem, mesmo que ainda falte algumas coisas depois disso. Uma ética para que aquilo que falte não mate o que já temos.

    Em geral, viver é apenas aprender a estar.

    Quero dizer: estar bem com algumas coisas que são muito difíceis de lidar e não haverá soluções fáceis como seu coach poderá propor. Refiro-me ao enigma da morte, ao nosso eterno desconforto com o tempo das coisas, a estranheza da sexualidade e os paradoxos do amor, a difícil sustentação dos laços familiares, os aprendizados para uma boa amizade, a incompreensão do outro, dentre tantas coisas.

    Aí estão os “impossíveis” da existência. Para lidar com eles, as pessoas são capazes de encontrarem para si as mais diversas respostas e visões de mundo que nenhuma fórmula pronta consegue substituir. E se você consegue lidar suficientemente bem com esses impossíveis, sua vida já é um tanto sofisticada para se preocupar com ideais estranhos de realização.


    por Igor Teo

    Takamoto
    Takamoto
    Fotojornalista, artista marcial, ex-militar, perito criminal.

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