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    Os sensores nas câmeras e a qualidade da imagem

    Resolução ≠ Definição

    Muitos relacionam, hoje em dia, qualidade de imagem ao tamanho do sensor. Mas será  que o tamanho do sensor, em si, pode ser realmente um parâmetro de qualidade?

    A confusão começou quando a primeira Canon 5D Mark II chegou ao mercado. Projetada para filmar com a humilde intenção de habilitar fotojornalistas a enviarem vídeos simples de eventos, ninguém ia imaginar a revolução que ela causaria no mercado.

    Conhecidas como HDSLRs, as câmeras fotográficas que filmam tomaram conta do mercado de produção independente e de baixo orçamento, tanto no cinema quanto na TV e na internet. Além disso, possibilitaram que fotógrafos de still também começassem a captar imagens em movimento.

    Como no mercado fotográfico de still existe a distinção entre os sensores full frame e os crop, essa distinção migrou para o mercado de filmagem. Só que, para fotografia still, o significado é bem  diferente do que para filmagem digital.

    O termo Full Frame significa um sensor cujo tamanho físico é semelhante ao dos negativos 135 de película utilizados nas câmeras fotográficas analógicas de 35mm.  Ou seja, é um sensor do tamanho do padrão tradicional para fotografia. Já um sensor Crop é um pouco menor, dependendo do fator de redução. Uma Canon 7D, por exemplo, apresenta um fator crop de 1.6 em relação a uma 5D.

    Acontece que, no mundo do cinema, 35mm ≠ 35mm. Como? Isso mesmo. 35mm de cinema não tem nada a ver com 35mm de fotografia. Embora o negativo em película tivesse a mesma largura para ambos, nas câmeras fotográficas o negativo corria horizontalmente, enquanto que nas câmeras de cinema corria verticalmente. O resultado é uma área de captura de imagem (exposição) bem maior nas câmeras de still do que nas câmeras de cinema.

    Compare a diferença da área de exposição de um negativo de fotografia still com a de filmagem em Super 35mm. É fácil visualizar que a imagem filmada de cinema é consideravelmente menor que a imagem fotografada.

    A razão disso nada mais é do que o custo. Afinal, filmar a 24 quadros por segundo consome muito negativo e, se o filme para cinema também rodasse na horizontal, o custo do negativo seria quase que 3 vezes maior. É por conta dessa economia na produção que o padrão de cinema foi desenvolvido diferente do de still. Uma exceção são os filmes IMAX ou 70mm, que rodam na câmera na horizontal.

    Vendo o gráfico ao lado, entende-se que um sensor para câmeras de cinema que cubra toda a área original de exposição do negativo é bem menor que um sensor Full Frame para still. Ou seja, o termo Full Frame nunca se aplicou à produção de cinema digital. O padrão de referência de qualidade sempre foi o de 35mm (ou Super 35mm).

    Embora o termo Full Frame seja uma aberração para o cinema digital, muitos cineastas mais novos acabam confundindo as coisas, acreditando que um sensor Full Frame ofereça mais qualidade que um sensor Super 35mm, que é bem menor. Mas isso não poderia ser mais errado.

    Para se ter uma idéia, a imagem abaixo mostra a diferença do tamanho do sensor da Blackmagic Cinema Camera (BMCC) em relação ao sensor Full Frame da Canon 5D.

    Acontece que a Canon 5D Mark III filma com uma resolução de 1920 x 1080, conhecida como Full HD. Já a Blackmagic Cinema Camera filma com uma resolução de 2432 x 1366 (2.5K), maior que a resolução padrão para cinema digital que é de 2K. O gráfico abaixo mostra como o sensor menor da BMCC entrega uma imagem com resolução maior que o Full Frame da 5D.

    A imagem com a resolução maior é a do sensor menor. Ou seja, tamanho não é documento!

    Já deu para começar a entender porque, no meio de cinema, o termo Full Frame não significa vantagem alguma? Na verdade, o tamanho do sensor tem muito menos importância do que se pode imaginar. Até porque os padrões atuais de cinema em película são Super 35mm e Super 16mm.

    Antes que comecem a falar que Super 16mm é um formato amador, vale mencionar que inúmeros filmes de alto orçamento e grande sucesso comercial foram rodados em Super 16mm. Dentre eles estão Cisne Negro, Babel, The Hurt Locker, Moonrise Kingdom, Diários de Motocicleta, Pi, O Jardineiro Fiel e Leaving Las Vegas. E isso é apenas uma minúscula amostra aleatória.

    Aliás, Cisne Negro ganhou o Oscar de melhor fotografia. E tudo com um negativo muitas vezes menor que o tamanho de um sensor Full Frame, como mostra a imagem abaixo.

    Um sensor Super 16mm (em amarelo) comparado com um Full Frame.

    Aí entram os mais céticos e afirmam que película tem mais definição que digital. Só que nem isso é mais verdade. O digital já ultrapassou o negativo em definição. E para aqueles que insistem em dizer que Super 16mm é pequeno demais (o mesmo tamanho do sensor da Blackmagic Pocket Cinema Camera, ou BMPCC), vale mencionar que o filme Ataque dos Clones, da série Guerra nas Estrelas foi rodado com uma câmera Sony F900 Cinealta.

    Como todos sabem, George Lucas é um tremendo perfeccionista, amante da tecnologia, que não tem problema nenhum de orçamento para seus filmes pois todos faturam centenas de milhões de dólares. E não há dúvidas de que a qualidade do Ataque dos Clones não tem nada de ruim. Mas você sabe qual é o tamanho do sensor da câmera usada para rodar o filme? Dois terços de polegada (2/3″)! Quer ver a relação com o tamanho de um sensor Full Frame?

    O tamanho do sensor da câmera usada por George Lucas para filmar Ataque dos Clones, em amarelo.

    Pois é, o sensor digital da F900 é menor ainda que o Super 16mm. Agora compare a definição da imagem do filme com a de uma Canon 5D… O filme da série Guerra nas Estrelas tem mais definição. Embora o sensor seja infinitamente menor e a resolução seja a mesma: 1920 x 1080.

    Mas se a resolução da imagem é a mesma, como pode um sensor ter mais definição que o outro? Resolução e definição não são a mesma coisa? A resposta é não. Muita gente confunde os dois termos, mas eles não têm relação nenhuma entre si. Resolução é o tamanho da imagem em número de pixels. Definição é a capacidade do sensor de mostrar detalhes pequenos sem defeitos ou processamentos artificiais.

    Para se ter uma idéia, a Sony F900 tem uma definição de mais de 1000 linhas, enquanto que a Canon 5D tem cerca de 700. Quer dizer, uma câmera com um sensor muito menor tem capacidade de mostrar mais detalhes.

    Se o sensor Full Frame não oferece nenhuma vantagem, até agora, em relação aos sensores Super 35mm, Super 16mm e até 2/3″, então qual a causa de tamanho rebuliço? A principal é o erro de achar que Full Frame é padrão para cinema digital quando, na verdade, ele só é padrão para fotografia still. E, dessa confusão, surge ainda a salada das lentes.

    É que, em fotografia, uma lente considerada padrão para um sensor Full Frame é uma lente de 50mm. E quem está acostumado com still, acha que isso é universal. Só que, no mundo do cinema, a coisa é bem diferente. Uma lente considerada grande angular para uma full frame tem 28mm. Para Super 35mm, uma lente grande angular com o mesmo campo de visão seria uma 19mm. Para Super 16mm, seria uma lente de 10mm.

    Para quem está acostumado com fotografia still em full frame, uma lente de 10mm seria considerada uma ultra grande angular, praticamente uma lente de efeito especial. Mas as lentes projetadas para câmeras de cinema já vem com suas medidas diferentes. Existem lentes zoom de cinema para o formato Super 16mm que começam em 7mm. E isso sem nenhuma distorção, pois a lente é projetada especificamente para o tamanho da área de captação do negativo (ou do sensor digital). Uma lente de 7mm para still Full Frame dificilmente não distorceria a imagem e, pela dificuldade de construção, custaria dezenas – se não centenas – de milhares de dólares.

    Resumindo, com um sensor pequeno e a lente apropriada, consegue-se os mesmos ângulos de visão mais abertos que são possíveis com sensores full frame. Os sensores Full Frame das HDSLRs também não apresentam nenhuma vantagem em relação a definição para filmagens. E, se o argumento for que o sensor maior possibilita o desfoque mais fácil do fundo, um bom diretor de fotografia consegue o mesmo nível de desfoque com o uso correto de lentes, iluminação e distância do objeto a ser filmado.

    Portanto, da próxima vez que alguém vier falando “Ah, mas não é Full Frame!”, insinuando que a câmera com o sensor menor não presta, lembre-se do Cisne Negro, do Ataque dos Clones, do A Invenção de Hugo Cabret (filmado com a ARRI Alexa em 1080p com sensor Super 35mm) e de milhares de outros filmes de sucesso que foram filmados em Super 35mm, Super 16mm ou em sensores menores ainda e responda, com confiança: “Tamanho não é documento!”.

     

    Takamoto
    Takamoto
    Fotojornalista, artista marcial, ex-militar, perito criminal.

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